quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Brasil: o primeiro país do mundo a criar a “lei de incentivo à corrupção”


A estratégia sórdida da Câmara dos Deputados para votar, ontem (9), o requerimento de urgência do projeto que modifica as regras de acordos de leniência, e atingiria em cheio o trabalho da Lava Jato, foi por água abaixo. Mas na essência o que isso significa ?
Neste momento, autoridades brasileiras estão trabalhando arduamente com investigadores dos Estados Unidos e da Suíça para finalizar as tratativas com a Odebrecht, para o que é considerado o maior acordo de leniência do mundo (uma espécie de “delação premiada”, mas firmada com as empresas).
São mais de 80 executivos e funcionários da Odebrecht negociando acordos de delação e um acordo de leniência para a companhia no âmbito da operação Lava Jato. Em troca, eles precisam depor sobre o papel central do conglomerado no enorme esquema de pagamento de propina em contratos com a Petrobras.
As delações podem envolver mais de 100 políticos tanto do governo Dilma, quanto de Temer, atingindo, inclusive, autoridades de alto escalão que fazem parte da composição do atual presidente. O que pode dar origem a mais 100 outras investigações. O acordo também irá expor atos irregulares em muitos dos 27 países em que a Odebrecht realizou projetos.
Calcule, agora, a dimensão e as consequências que estão por vir. Esse é, sem dúvida, o principal motivo que levou os deputados à correria para ações de “emergência”.
Os “acertos finais” no relatório do projeto de lei que modifica as regras de acordos de leniência, de autoria do líder do governo na Câmara dos Deputados, André Moura (PSC-SE), simplesmente propõem a possibilidade de que empresários possam ser inocentados das irregularidades que praticaram. Leia com atenção o seguinte trecho:
“O acordo de leniência poderá abranger, em relação às pessoas físicas envolvidas na prática do ato ou que assinem o acordo em nome da pessoa jurídica, ações penais ou por improbidade administrativa relacionadas ao objeto do acordo, mediante a extinção automática da respectiva punibilidade após o cumprimento de seus termos”, aborda o o projeto.
De acordo com o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Carlos Fernando dos Santos Lima, a mudança proposta por André Moura acaba sendo um incentivo à corrupção, já que as empresas estarão trocando dinheiro pela não punição dos investigados.
“Nós temos diversos acordos de leniência em fase de negociação. Uma aprovação de uma medida desta forma, com urgência e com esta extinção de punibilidade, possivelmente tornaria inútil para essas empresas fazer qualquer acordo conosco e isso impactaria da produção de provas em relação a crimes cometidos no Brasil, não só crimes federais, crimes estaduais, mas também eventualmente crimes cometidos no exterior. Certamente, haveria impacto em todas as provas que poderíamos produzir de outros crimes”, explicou Lima.
Para a força-tarefa da Lava Jato, as consequências dessas alterações para a investigação são consideradas “trágicas”, especialmente pela dificuldade em firmar novos acordos de leniência. “Caso o projeto fosse aprovado, a leniência de uma empresa traria imunidade e anistia pelos crimes praticados por ela ou seus funcionários. Isso aniquila o interesse das empresas. É público e notório que existem negociações de leniência em andamento e elas poderiam ir por terra”, declarou o procurador Deltan Dallagnol.
Está evidente que se a Câmara dos Deputados for em frente com esse projeto transformará a Casa, definitivamente, em um grande tapete para o qual será varrida toda a sujeira da corrupção até agora revelada pela Lava Jato.
Presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), é inaceitável que a Câmara acoberte e se dedique em fazer com que todo o trabalho de limpeza feito até agora pela força-tarefa seja colocado em xeque.
E, sobretudo, uma afronta ao contribuinte aprovar uma lei que permite ao corrupto meter a mão no dinheiro público e, depois de descoberto, o máximo que se poderá exigir é que ele devolva o valor, ficando assim “tudo resolvido”. Parece que estamos prestes a ser o primeiro país do mundo a criar uma lei de incentivo à corrupção.
10 de novembro de 2016.andre-moura-maia-renan

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